General turco implicado em tráfico humano a partir da Síria

por RTP
Deslocados sírios em 2016 Sana

Um oficial general do exército da Turquia foi detido sob suspeita de facilitar a passagem em postos de controlo a migrantes ilegais oriundos da Síria, a troco de milhares de dólares.

Fontes ligadas ao Ministério da Defesa turco referiram que o oficial, com o posto de general-brigadeiro, era responsável por operações regionais na Síria e usaria o próprio carro oficial para transportar os migrantes ilegais.

Não foi revelado se ele próprio conduzia o veículo nessas ocasiões ou sequer se estava presente.

O Ministério da Defesa da Turquia confirmou a detenção, sem revelar onde e quando ocorreu.

Vários relatos referem que o oficial foi detido em Ancara, ao abrigo de um mandado emitido pela procuradoria do mesmo distrito, na província de Sanliurfa, perto da fronteira com a Síria.

As mesmas fontes confirmaram que foi aberta uma investigação e que o oficial passou compulsivamente à reserva. "Estão em curso processos administrativos e judiciais", referiram, frisando que todos os membros das forças armadas turcas que infringirem a lei serão perseguidos sem olhar a patentes.

A Turquia tem conduzido diversas operações no norte da Síria desde 2016, em perseguição de combatentes curdos das YPG, as unidades de Proteção do Povo Curdo, que dominam as Forças Democráticas da Síria.

As operações turcas visam igualmente o grupo islamita Estado Islâmico, conhecido como ISIS ou Daesh, que permanece operacional nas regiões norte tanto da Síria como do Iraque, onde circulam igualmente as YPG.

O governo de Ancara considera as YPG como um ramo do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, grupo que luta pela independência da Turquia e que foi ilegalizado como grupo "terrorista" pelas autoridades turcas.

Damasco autoriza as expedições militares turcas no norte, como meio de controlar tanto a sua própria população curda como os islamitas.

Suspeita-se que, devido à influência militar da Turquia na zona de fronteira, a maioria das redes de tráfico humano tenha acordos com vários responsáveis operacionais turcos.
A hipótese ISIS
É contudo a primeira vez que é revelada publicamente a detenção de um oficial de alta patente por envolvimento direto no negócio da migração ilegal.

Sem confirmações oficiais, admite-se que a detenção pode estar relacionada com investigações que levaram ao desmantelamento recente de uma rede de tráfico humano do ISIS, na área.

Há duas semanas, o Tesouro norte-americano anunciou sanções contra quatro pessoas com ligações a esta rede, identificadas numa investigação conjunta com as autoridades turcas.

Três dos indivíduos estavam envolvidos na rede. O quarto tinha como missão estabelecer um campo de treino islamita.

Os suspeitos operavam a partir de países com o Uzbequistão e a Geórgia e pelo menos um membro era apoiante de membros do ISIS na Turquia.

Os Estados Unidos sublinharam o interesse comum norte-americano e turco no combate a "todas as ameaças terroristas, incluindo o ISIS", acrescentando que a Turquia, aliada dos EUA na NATO, conduz as suas próprias operações contra a rede islamita do ISIS. O negócio da migração ilegal

A Síria permanece em estado de guerra civil em diversas áreas, desde que o conflito para derrubar a dinastia presidencial dos Assad eclodiu, em 2011. 

Mais de meio milhão de pessoas foram vítimas diretas da guerra e várias regiões sírias permanecem incapazes de sustentar a sua população, devido à insegurança e à destruição de infraestruturas. Em 2023, observadores internacionais calculavam em 5.9 milhões as pessoas a necessitar de apoio nutricional urgente na Síria, incluindo 3.75 milhões de crianças e 2.1 milhões de mulheres.


Em 2024, as agências das Nações Unidas referiam que 16.7 milhões de pessoas necessitavam de apoio humanitário urgente no país, um aumento de nove por cento face ao ano anterior. 

Noventa por cento da população síria vive abaixo do limiar de pobreza e 70 por cento depende de apoio humanitário externo.

Milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas desde o início da guerra, mas permanecem no país. São atualmente 7.2 milhões, um recorde desde 2011, compondo a maior comunidade de deslocados do mundo.

O forte sismo que afetou a Turquia e a Síria em 2023 agravou o cenário.

O país representa atualmente a crise de refugiados mais grave mundialmente e uma das maiories fontes de receita para as redes de tráfico humano.

A ONU calcula que mais de sete milhões de sírios abandonaram o seu país desde 2011. Serão na sua maioria homens jovens ou adultos, para quem a única oportunidade de vida sem violência se encontra noutras paragens.

Para todo o Médio Oriente, a vizinha Turquia surge como o caminho mais fácil de seguir para os migrantes ilegais, devido à sua fronteira marítima próxima com a Grécia e consequente acesso à União Europeia.

Ancara acordou com Bruxelas reter nas suas fronteiras o fluxo de migrantes a troco de ajudas financeiras e acolhe atualmente 3.7 milhões de refugiados, a maior população do género existente num único país.
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